sábado, 5 de janeiro de 2008

Porto Feliz



Porto Feliz: antiguidade do porto de Araritaguaba


Posto que date de 1.720 a ereção da Capela de Nossa Senhora da Penha, à margem esquerda do rio Tietê, no local denominado Araritaguaba, capela erguida pela piedade e devoção de Antonio Aranha Sardinha e Antonio Cardoso Pimentel, antes dessa data era já, o porto de Araritaguaba, conhecido e aproveitado pelos valorosos sertanistas paulistas em suas viagens pelo sertão brasileiro.

Em 1.628, ao fazer Dom Luiz de Céspedes Xeria, nomeado capitão-general do Paraguai, a sua viagem do Rio de Janeiro à Ciudad Real de Guairá (no Paraguai), foi daí, dessas barrancas de Araritaguaba que ele iniciou a sua viagem fluvial; e isto afirmamos tendo à vista o seu mapa ou roteiro, o local que nele coloca o seu ponto de partida no rio Tietê, considerando para tal afirmativa o ponto em que marca esse porto e os rios e ribeirões assinalados nas proximidades aquém e além desse local.

Mais de um mês ficou Dom Céspedes Xeria nesse porto, ao qual dera o nome de Nossa Senhora de Atocha, levando todo esse tempo em construir canoas e em outros preparativos necessários para a sua longa viagem...

O fato de ir Dom Luiz de Céspedes a procura desse porto para a sua viagem ao Paraguai, nos induz a crer que essa rota era já conhecida e que em São Paulo de Piratininga lhe fora indicada e isto nos leva a certeza que esse porto além de conhecido era, também, aproveitado pelas primeiras expedições dos paulistas que, por via fluvial, se internavam pelo sertão e das quais nos falam os antigos cronistas...

Pelo que acabamos de expor, vê-se que muito e muito antes do porto de Araritaguaba se tornar célebre pelas grandes expedições monçoeiras, que dali partiram para a conquista do Paraguai e das minas de Cuiabá, era já conhecido e aproveitado desde o começo da era seiscentista, e, talvez, mesmo antes pelos sertanistas paulistas. Também o porto de Pirapitingui, de que nos falam as antigas crônicas, outro não era senão o de Araritaguaba; e se assim não fosse, não iriam Aranha Sardinha e Cardoso Pimentel, havendo tanta terra nas proximidades dos povoados, pedir suas sesmarias em lugar tão deserto e desconhecido.

Conta-nos Moreira Pinto que Araritaguaba fora antiga aldeia de índios guayaná; pode ser, pois pouco acima, às margens do mesmo rio, nas proximidades do lugar onde hoje se ergue a cidade de Salto, existiu a aldeia de Paranaytu de índios dessa mesma nação. (1)

Caminhos de penetração da capitania de São Paulo

Também, em 1.629, o grande sertanista André Fernandes iria conduzir, sob sua guarda, para o Paraguai, pelo mesmo porto de Araritaguaba, D. Vitória de Sá, senhora fluminense e esposa de Céspedes Xeria. Também desceram, no século XVII, o rio Tietê, Francisco Pedroso Xavier (para invadir e assolar, em 1.675 e 1.676, reduções espanholas), Brás Mendes Pais, que se encontrava em Mato Grosso, em 1.682, com seu irmão Pedro Domingos Pais e Pedro Leme da Silva, o Torto; Manuel de Frias Taveira, que fez uma incursão contra os índios do Itati, Gaspar de Godói Colaço que devassou, em 1.698, a região da Vacaria de Mato Grosso, onde já havia estado anteriormente, em 1.676, com Pedroso Xavier; Amaro Fernandes Gauto, partícipante da expedição de Godói Colaço, de 1.698, também sobre Vacaria de Mato Grosso e muitos outros que a história não conseguiu registrar.

Essas viagens do século XVII e das duas primeiras décadas do século seguinte eram penosas e cheias de riscos e dificuldades. Os paulistas embarcavam no rio Tietê, nas imediações de Itu ( Porto Feliz ), desciam o Anhembi ( rio Tiete ) e depois o Paraná até as vizinhanças de Sete Quedas, onde adentravam uns, rumo ao Sul, galgando a Serra do Maracaju para alcançarem o Guairá; outros marchavam para Oeste, pelo vale do Apa ou Piraí, em busca do Itati, ou, então, como terceira alternativa, tomavam direção NO para descerem, desde suas cabeceiras, o Mbotetéu (ou Miranda).

Pelos idos de 1.685, o sorocabano Paschoal Moreira Cabral Leme, o futuro descobridor das minas de Cuiabá, instalou-se, com sua comitiva, à margem do Mbotetéu, depois Miranda, no sul de Mato Grosso, onde os paulistas expandiram os seus domínios pelos campos da Vacaria, margens do Iguatemy e terras da Serra do Maracaju. Paschoal Moreira Cabral, numa dessas investidas contra os índios acabou encontrando, casualmente, em 1.718, nas margens do Coxipó-Mirim, mostras de ouro. Diante do promissor achado, os bandeirantes fizeram pesquisas mineradoras, com o auxílio de João Antunes Maciel e outros, até serem atacados pelos índios. Todavia, quando escasseavam as esperanças e toda a expedição sofria o risco de extermínio, apareceu, inesperadamente, a bandeira salvadora de Fernando Dias Falcão. Assim, como escreveu Capistrano de Abreu, Sem serem procuradas apareceram as minas de Cuiabá (...) as notícias (...) levadas ao povoado, agitaram a população e levianamente se lançou à terrível jornada que começava no Tietê ( porto de Araritaguaba-Porto Feliz ) e prosseguia pelo Paraná...(2)
(1) Francisco Nardy Filho - O Estado de São Paulo - 25 de outubro de 1.940, pg. 6 (Licença USP-SP em 1995)
(2) Anais do Museu Paulista, tomo XXXI, 1.982, artigo Caminhos de Penetração da Capitania de São Paulo, Paulo Pereira dos Reis, páginas 304 e 306.


"Acervo Museu Republicano de Itu/Museu Paulista-USP - Reprodução de 1995"






Porto Feliz: Origem e fundação



Segundo contam as crônicas, a capela de Nossa Senhora da Penha de Araritaguaba, origem da atual cidade de Porto Feliz, foi fundada no correr do ano de 1.721 por Antonio Cardoso Pimentel e Antonio Aranha Sardinha, em terra da sesmaria deste ultimo. O que consta, porem, do Livro Tombo da Igreja Matriz de Porto Feliz leva me a crer não haver Antonio Sardinha tornado parte alguma nessa fundação.

"... ereção e instituição da Capela de Nossa Senhora da Penha de Araritaguaba edificada e feita ao pé do rio Tietê, vizinho do sitio de Antonio Cardoso Pimentel já falecido o qual a fez e se benzeu na era de 1.700 anos pelo que dizem os mesmos caseiros..."

Ai aparece como único fundador Antonio Cardoso Pimentel, sendo a data de fundação 1.700 e não 1.721. Haja visto terem sido isso escrito nesse Livro Tombo pelo segundo vigário de Araritaguaba, padre Francisco de Campos, em junho de 1.747, de acordo com o que ouvira de pessoas que assistiram a fundação dessa capela. Tanto no termo de doação do patrimônio, como em outros documentos constantes desse Livro Tombo e referentes a essa fundação, não aparece o nome de Antonio Sardinha.

O padre Francisco de Campos, ituano, antes de, em 5 de junho de 1.717, haver tomado posse do cargo de vigário de Araritaguaba, já ali residia, desde há muitos anos, em companhia de seu irmão padre Felipe de Campos Bicudo, também ituano, e primeiro vigário de Araritaguaba, cuja posse se dera em 9 de março de 1.728. Devia, pois, o padre Francisco de Campos estar muito bem informado quanto a essa fundação, e, se não menciona o nome de Aranha Sardinha, é porque este parte alguma teve nessa fundação.

Tendo Antonio Cardoso, instituidor e protetor dessa capela, falecido em Itu no correr do ano de 1.721, foi em substituição nomeado seu filho José Cardoso Pimentel para protetor. Quando este seguiu para Cuiabá, em cujo caminho pereceu nas mãos dos índios paiaguás, foi nomeado em seu lugar Cristovão Borges, casado com uma neta do fundador. Ora, se Aranha Sardinha houvesse sido co fundador dessa capela, caberia a ele, por morte de Cardoso Pimentel, o titulo de instituidor e protetor, o que não aconteceu.

Aranha Sardinha obteve a sua sesmaria de Araritaguaba por carta de 5 de fevereiro de 1.728, cuja confirmação data de 18 de agosto de 1.732. Portanto, em 1.721 não possuía ainda a sesmaria em cujas terras foi fundada a capela. Casou se ele em Itu, onde residiu e de onde creio era natural, em 1.721, com Inês Dias de Alvarenga, filha de João Gomes de Escobar e de Joana de Godói Bicudo. Ora, se até a data do casamento residia em Itu, somente depois de 1.724 e que se transferiu para as terras da capela de Araritaguaba, onde se abriu lavouras e alcançou a sesmaria.

Como se vê, Aranha Sardinha não foi co fundador da capela de Nossa Senhora da Penha de Araritaguaba, como contam as crônicas, mas sim um dos primeiros povoadores das terras dessa capela.

(*) F. Nardy Filho

"Acervo Museu Republicano de Itu/Museu Paulista-USP - Reprodução de 1995"




De Nossa Senhora da Penha para Nossa Senhora Mãe dos Homens


A razão da mudança do nome de Araritaguaba para Porto Feliz, nos conta o Governador Castro e Mendonça em sua comunicação ao Secretário de Estado, Dom Rodrigo de Souza Coutinho. Vejamos agora a motivo da mudança da invocação de sua padroeira, de N. Senhora da Penha para Nossa Senhora Mãe dos Homens. Velhos portofelicenses, procurando explicar o motivo dessa mudança, contaram o seguinte, que ainda é corrente em Porto Feliz: a imagem de Nossa Senhora Mãe dos Homens foi mandada vir para servir de padroeira à povoação de Cuiabá, e que chegada a Araritaguaba, permaneceu por algum tempo aí à espera da monção, e que, chegada esta, ao tentarem erguer a imagem da Senhora Mãe dos Homens para levarem-na ao batelão que devia conduzi-la a Cuiabá, se tornou tão pesada que não foi possível levantá-la da sala, por mais esforços empregados; viram os presentes nesse fato o desejo manifesto de N. Senhora de que essa imagem ficasse em Araritaguaba e servisse de padroeira dessa povoação.

Até aí a lenda. Vejamos agora o que nos diz a história. Em primeiro lugar, devemos declarar que a padroeira de Cuiabá sempre foi o Senhor Bom Jesus e não N. Senhora Mãe dos Homens. Percorrendo a relação dos padroeiros das primitivas povoações de Mato Grosso não encontramos povoação alguma que tivesse como padroeira N. Senhora Mãe dos Homens.

Segundo consta do Livro I do Tombo da paróquia de Porto Feliz, essa "imagem majestosa e perfeita" foi mandada vir especialmente para ser colocada em "hua sumptuosa Igreja" que as moradores de Araritaguaba "a sua custa e com esmolas dos fiéis" estavam construindo em louvor a N. Senhora Mãe dos Homens.

Pela exposto vemos que, sendo pequena e talvez estando em ruínas à primitiva capela de N. Senhora da Penha, e tendo sido construída uma grande igreja em louvor a N. Senhora Mãe dos Homens, passou esta igreja a servir de matriz, passando então o seu orago a ser a padroeira da paróquia.

Toda lenda tem a sua origem em um fato qualquer que lhe de motivo; assim cremos que a lenda referente à imagem de N. Senhora Mãe dos Homens teve a sua origem no fato que passamos a relatar.

Segundo nos conta Joaquim da Costa Siqueira em sua "Chronicas de Cuyabá", a 8 de janeiro de 1.776 chegava a Cuiabá, onde ia exercer o cargo de juiz de Fora, o Dr. José Carlos Pereira, o qual, além de ser uma autoridade diligente e austera, era muito piedoso.

Em 1.779, em uma diligência que fez à missão de Santana (de Parnaíba), teve ocasião de ver "a palhoça, na verdade indecentíssima, em que se celebrava a santa sacristia do altar e mais divinos oficios e a mais é que servia de matriz, por ser a dita missão freguesia separada". Devoto fervoroso que era da Senhora Santana, concebeu logo o projeto de edificar ali uma igreja, que servisse de matriz àquela missão, o que, vencendo mil obstáculos, levou a efeito.

Concluída a igreja encomendou ele no Rio de Janeiro uma linda imagem da Senhora Santana "com cinco palmos de altura, com o menino ao lado esquerdo e na mão direita uma custódia de prata doirada para nela se expor o Santíssimo Sacramento".

Deixa o Dr. José Carlos Pereira o seu cargo de Juiz de Fora e, em novembro de 1.781, parte de Cuiabá sem que, até essa data, houvesse ali chegado a imagem da Senhora Santana que encomendara. "Chegado que foi o nosso devoto fundador, Dr. José Carlos Pereira, à freguesia de Araritaguaba, da comarca de São Paulo (assim nos conta o cronista), onde fazem desembarque os que vão destas minas pelos rios para os povoados, e achando aí a nova imagem de Santa Anna do Sacramento, aquela que havia mandado vir do Rio de Janeiro para se colocar na sua freguesia, não lhe sofreu o ânimo passar adiante sem ver a imagem e fazer-lhe uma festa solene. Assim o executou e no primeiro domingo que se seguiu, posto a Santa no trono do altar-mor da igreja matriz de Araritaguaba, com o Santíssimo Sacramento exposto na custódia, que havia mandado também vir, que tinha a Santa na mão direita, se lhe cantou missa solene, com sermão que pregou o reverendo Francisco Pinto Guedes, natural destas minas e vigário encomendado daquela freguesia."

Não estará neste fato, contado pelo cronista cuiabano, a origem da lenda da imagem de N. Senhora Mãe dos Homens, contada pelos antigos portofelicenses, visto como a imagem da Senhora Santana ficara para o seu destino? Não teria havido confusão nestas duas imagens, visto como há muitas que vêm grande semelhança entre a imagem de N. Senhora
Mãe dos Homens, que se venera na igreja matriz de Porto Feliz e a da Senhora Santana da igreja matriz de Parnaíba?

Foi, portanto, segundo cremos e salvo melhor documentação em contrário, a edificação de uma grande igreja dedicada a Nossa Senhora Mãe dos Homens que deu origem à mudança da padroeira de Araritaguaba, de Nossa Senhora da Penha para Nossa Senhora Mãe dos Homens.
(*) O ESTADO DE S. PAULO, 2 de novembro de 1945, pp. 5-6 (licença da USP-SP, 1995)







Porto Feliz, sua economia em 1790


Em 1.797 a antiga freguezia de Nossa Senhora Mãe dos Homens de Araritaguaba foi elevada à vila, passando então a chamar-se Pôrto Feliz. Fazendo divisa com Itu, suas terras eram férteis e excelentes para o cultivo da cana.

O levantamento de 1.798 acusa uma população de 3.337 habitantes divididos, em 3 Companhias de 515 fogos (casas). A escravaria era numerosa constituindo 1/3 da população: 1241 cativos. Dêstes, 1.040 trabalhavam na lavoura de cana, computando-se a escravaria dos engenhos e dos partidos.

A produção dêsse ano foi grande: 27.665 arrôbas, superior de muito à de Campinas e só ultrapassada por Itu. Nota-se em Porto Feliz grande número de partidos: 43 ao todo, mas, a sua produção sempre foi diminuta comparada à dos engenhos. Os 43 partidistas produziram 4.473 arrôbas de açúcar, o que daria em média 104 arrôbas para cada um. A maior produção não foi além de 2.001 arrôbas. A escravaria também era diminuta. Havia mesmo aqueles que lavravam a terra sem o auxílio de escravos como Gonçalo Nunes Siqueira, solteiro, que produziu 75 arrôbas somente com agregados.

O censo de 1.798 faz uma distinção curiosa entre os agricultores de cana. Além dos senhores de engenho e do "partidistas", relaciona lavradores que faziam quartéis de cana, vendidos anualmente a um engenho.

Porto Feliz possuía então 51 engenhos movimentado por 806 escravos. Algumas fábricas tinham boa produção, na 1a. Cia., do capitão-môr Francisco Correa de Moraes Leite, 7 engenhos produziram além de 1.000 arrôbas. De modo geral, entretanto, a produção por engenho ainda não era apreciável, regulando em média aproximadamente, 450 arrôbas.

A população do lugar aumentava rapidamente. Em 1.801 havia 5.205 habitantes. Crescera também o número de escravos: de 1.241 cativos que havia em 1.798, passou a vila a contar com 1.985. Encontramos 62 engenhos, além de 4 em Piracicaba, sujeita então a Porto Feliz. Enquanto crescia o número de engenhos, o de partidos diminuía de 40 para 30 e a produção total da área chegou a 32.871 arrôbas. Ainda nessa época, a cidade estava à frente de Campinas na produção açucareira.

A grande maioria dos fabricantes era proveniente da própria região e adjacências: dos 62 engenhos arrolados, 31 eram de agricultores da própria vila de Porto Feliz e 15 de Itu. Os restantes eram de gente de Cuiabá, Santos, Goiás, Parnaíba e Sorocaba.

Algumas fábricas funcionavam em sociedade. Vicente da Silva Bueno, natural de Goiás, comprou uma fábrica em sociedade com Manuel de Sampaio que a administrava. Cada um tinha seus próprios escravos, além daqueles que pertenciam à sociedade e que eram em número de vinte e dois. Olavo José da Silva ganhava 100$000 anualmente para administrar o engenho de Francisco Barbosa. A produção de açúcar demandava zêlo: João de Oliveira Freire de Andrade tinha seu engenho desbaratado por andar ausente.

Há um momento em que Porto Feliz, embora continuamente próspera, tem a sua produção alcançada e superada por Campinas. No ano de 1.815, esta última já produzia 72.000 arrôbas de açúcar, enquanto a antiga Araritaguaba acusava 32.424. Havia 66 engenhos e mais 15 em Piracicaba, além de 18 partidistas. Em 10 anos, o número de escravos aumentara apreciavelmente de 1.985 para 2.752; destes, 1.630 (sem incluir Piracicaba) eram empregados na lavoura de cana.

A cultura canavieira era o denominador comum da região: em 372 agricultores, 84 dedicavam-se à cana de açúcar. Porto Feliz apresentava grandes perspectivas e atraía gente pois o censo de 1.815 relaciona muitos moradores novos e outros "armando-se para fazer assucar para o anno que vem", como José de Arruda Leite, que viera de Sorocaba.

Ao findar o período colonial, a antiga freguezia de Araritaguaba, juntamente com Itu e Campinas, movia os cordéis da produção açucareira na Capitania. Em 1.822 a sua produção era de 98.253 arrôbas, emparelhando com Itu e somente ultrapassada por Campinas. Era zona da mais povoadas, com escravaria apenas ligeiramente inferior à de Campinas e Itu.

Tinha então 7.576 moradores, dos quais 3.227 eram escravos. Sua lavoura canavieira como a das demais áreas citadas era quase totalmente de exportação, escoando-se através de Santos. Abrangia 86 engenhos trabalhados por 1.937 escravos. Nessa época, a freguezia de S. S. Trindade de Pirapora, pertencente à vila, tinha 19 engenhos com 521 cativos que produziam 20.576 arrôbas de açúcar.

Aparecem no censo de 1.822 alguns "negociantes de negros novos" como Simão de Souza e José Manuel de Arruda, que, além disso, também eram senhores de engenho.

O rendimento médio por fábrica também crescera: aproximadamente 870 arrôbas. Já então havia um número razoável de "engenheiros" que tinham produção significativa: 38 senhores produziam mais de 1.000 arrôbas e um deles nada menos que 2.700. Contudo, Campinas detinha a primazia no tocante às grandes produções individuais.

É lícito afirmar que na época da emancipação (1.797), Porto Feliz estava no vigor de sua expansão canavieira, pois algumas décadas mais tarde, a região decaíra, tendo apenas 38 engenhos que produziam 46.310 arrôbas.

Contudo, na época que nos interessa era, juntamente com Itu e Campinas, a zona por excelência do cultivo da cana, fornecendo a base econômica da Capitania de São Paulo.
(*) Algumas notas sobre a lavoura do açúcar em São Paulo no período colonial.
Suely Robles Reis de Queiros Anais do Museu Paulista Tomo XXI págs. 254, 255, 256 e 257

















Porto Feliz 1790/1830 primeira economia: cana-de-açúcar


...Outra localidade nas terras do planalto, consideravelmente açucareira foi Pôrto Feliz, situada perto de Itu e constituindo uma das vias de acesso a Cuiabá. A antiga povoação de Araritaguaba , segundo Pizarro, tinha terras "assás aptas e as melhores para a produção da cana doce, produzem grande quantidade de açúcar e aguardente" . Também é mencionada por Aires do Casal como cultivadora da cana de açúcar e Saint-Hilaire refere-se aos habitantes da povoação como orgulhos de suas terras, as quais, afirmavam eles, serem melhores que as de Itu.

Realmente, essa localidade, situada à margem esquerda do Tietê e muito procurada para os embarques rumo à Cuiabá, encontrou no açúcar, desde logo, o catalizador de sua agricultura. Mesmo enquanto freguezia, já produzia açúcar. No ano de 1.776, contava 266 fogos, com 2.788 habitantes, sendo 807 escravos, aproximadamente 1/4 da população. A maioria desta era constituída de lavradores, todavia, muitas pessoas viviam de fazer canoas e outras se alugavam para as viagens a Cuiabá; contudo, também havia cultivadores de cana para produção de aguardente, como o alferes Antônio Soares da Costa que fabricava aguardente e tinha 32 escravos.

A escravatura continuava aumentando sempre, índice seguro do crescente progresso da lavoura açucareira, uma vez que eram os agricultores de canas aqueles que possuíam maior número de escravos. Em 1.792, a vila de Itu tinha 3.262 escravos, dos quais, 856 pertenciam a Porto Feliz.

O ano de 1.797 marca a elevação de Araritaguaba a vila. O governador Mello Castro e Mendonça atendendo à petição dos moradores, justifica-a, argumentando ter a povoação" toda a capacidade e disposição para vir a ser em poucos anos, uma das vilas opulentas desta Capitania". Em 1.798, dos 425 agricultores cadastrados, 101 dedicavam-se à cultura da cana, um têrço, portanto, dos lavradores. No ano em questão, a produção de açúcar foi de 26.740 arrôbas.

A população crescia sempre. Em 1.805 já havia 1.985 escravos e em 1.815 os cativos eram em número de 2.752 para um total de 8.361 habitantes. Produziam-se 32.144 arrôbas de açúcar. Essa produção não chegava a alcançar a de Itu, mas era apreciável no quadro agrícola da Capitania. Em 1.822, o fabrico havia aumentado grandemente para 98.632 arrôbas, das quais, 97.432 foram exportadas.

A localidade se integrava, com destaque no movimento exportador paulista.
(*) Algumas notas sobre a lavoura do Açúcar em São Paulo no período colonial. Suely Robles Reis de Queiroz - pág. 143/144



Porto Feliz 1819


"É muito menos extensa do que Itu e não tão bem construída: sua localização, porém, é infinitamente mais aprazível. Efetivamente, estende-se por uma colina, a cujo sopé corre o Tiete. De vários pontos vê-se este rio, que serpenteia por um profundo vale, estando situadas em margens várias fazendas; mas ao longe vêm-se extensas terras cobertas de matas e de pastagens. A colina sobre a qual a cidade foi construída eleva-se quase a pique acima do Tietê; contudo, em espaço considerável, estende-se muito suave, até a margem do rio; nesse ponto, denominado porto, efetua-se os embarques pela via fluvial. O terreno em que foi edificada Porto Feliz é muito acidentado. As ruas da cidade não são calçadas, nem mesmo foram niveladas. As casas, baixas, pequenas, afastadas umas das outras, só tem, em geral, o rés do chão; ao passo que as de Itu são, em sua maioria, construídas de taipa, em Porto Feliz são todas construídas com ripas cruzadas ( pau a pique ) e terra tapando os interstícios, e isso porque na cidade e seus arredores não é encontrada a argila própria para fazer a taipa. Há em Porto Feliz apenas um edifício religioso, que é a igreja paroquial, sendo a única construção feita como as casas de Itu. Na época de minha viagem, essa igreja, consagrada a Nossa Senhora Mãe dos Homens, não estava ainda inteiramente terminada. Mede cerca de 58 passos de comprimentos, a contar da capela-mor até a porta de entrada; tem duas torres, que servem de campanário, construídas, segundo o costume do país, dos dois lados da porta central de entrada.

O Tietê atualmente, só contribui para embelezamento de Porto Feliz; mas, com o correr dos tempos, dará a esta cidade a mais alta importância. Com efeito, além do Salto de Itu, torna-se ele navegável um pouco abaixo da mesma, e em Porto Feliz terão início as gigantescas navegações, a que já me referi noutro lugar, e que ferem de espanto a imaginação dos europeus, acostumados a seus rios mesquinhos...

Já a maior parte das casas de Porto Feliz pertence a agricultores, e nessa localidade só vi um pequeno número de lojas e vendas. Constitui a riqueza da região a cultura da cana-de-açúcar. Os habitantes de Porto Feliz dizem ser suas terras, que tem cor vermelha, muito mais adequada a cultura da cana do que as terras de Itu; acrescentam que com o auxílio de dez escravos podem produzir mil arrobas de açúcar e mais até; enfim, que não é necessário, depois de arrancada à cana, deixar repousar o terreno por mais de dois a quatro anos. Mas, de outra parte, Porto Feliz está mais longe de Santos do que Itu, gastando-se mais de oito dias para a viagem a Santos; na época de minha passagem por ali, época em que o milho era raro e extremamente caro, os arrieiros exigiam, para o transporte de uma arroba (14, 7 quilos) uma pataca e meia (3 francos.), importância que, convém não esquecer, tinha valor muito mais elevado do que atualmente.

(*) Auguste de Saint-Hilaire - Viagem A Província de São Paulo (São Paulo, Livraria Martins Editora - Editora da Universidade de São Paulo, 1.972).









As Monções

Após a Guerra dos Emboabas, os paulistas, impossibilitados de explorar o ouro de Minas Gerais, passaram a buscar novas zonas de mineração, descobrindo-as nos atuais Estados de Mato Grosso e Goiás.
Em 1719, a bandeira de Pascoal Moreira Cabral, subindo o rio Cuiabá à caça de índios, encontrou ouro nas margens do rio Coxipó-Mirim e, em 1725, a bandeira de Bartolomeu Bueno da Silva descobriu ouro em Goiás. A descoberta de ouro na região marcou o início das monções, expedições fluviais regulares que faziam a comunicação entre São Paulo e Cuiabá.
A palavra monção era usada pelos portugueses para denominar os ventos periódicos que ocorriam na costa da Ásia Meridional. Esses ventos, que durante seis meses sopram do continente para o Oceano Índico e nos seis meses seguintes em sentido contrário, determinavam a saída das expedições marítimas de Lisboa para o Oriente.
Na Colônia(Brasil), as expedições que utilizavam as vias fluviais foram chamadas de monções, não por causa dos ventos, mas por se submeterem ao regime dos rios, partindo sempre na época das cheias (março e abril), quando os rios eram facilmente navegáveis, tornando a viagem menos difícil e arriscada.
As monções partiam das atuais cidades de Porto Feliz e Itu, às margens do rio Tietê, levando em média cinco meses até alcançar as minas de Cuiabá.
No início as monções transportavam paulistas para as minas cuiabanas, mas logo tornaram-se expedições de abastecimento, isto é, bandeiras de comércio, levando mercadorias para as zonas mineradoras. A população das minas necessitava adquirir tudo que precisava, pois só estava interessada em achar ouro e enriquecer rapidamente.
A viagem era difícil devido às inúmeras corredeiras, febres, insetos venenosos, piranhas e, principalmente, ataques de índios. As canoas eram construídas à maneira indígena, cavadas em um só tronco e muito rasas. As maiores chegavam a transportar até 300 arrobas de carga, e com o tempo receberam toldos para evitar que as provisões se estragassem. A tripulação era formada pelo piloto, pelo proeiro e por cinco ou seis remadores que remavam em pé como os índios. A carga ficava no centro da canoa, os tripulantes na proa e os passageiros na pôpa. Navegavam entre 8 horas da manhã e 5 da tarde, quando embicavam as canoas nos barrancos dos rios, armando acampamentos. Alimentavam-se de feijão, farinha de mandioca ou de milho e recorriam à pesca, aos palmitos, frutos e caça.
Com o tempo, por medida de segurança, as viagens passaram a ser feitas em grandes comboios. O número de canoas e pessoas num comboio variava , mas sabe-se que um dos maiores, o do governador de São Paulo, D. Rodrigo César de Menezes, partiu de Porto Feliz com mais de 300 canoas e cerca de 3.000 pessoas.














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